Ferrovias para SC: fatos que alimentam a esperança
Publicado em: 26/10/2023
MARCOS A. BEDIN – Jornalista, especialista em Jornalismo Econômico, diretor da MB Comunicação e da Associação Catarinense de Imprensa/Casa do Jornalista
O multifacetado agronegócio catarinense representa um dos maiores orgulhos para Santa Catarina não apenas porque ostenta números altissonantes, mas também porque é um setor inovador, tecnologicamente avançado e ambientalmente sustentável. Ele representa 31% do PIB estadual e contribuiu com 70% das exportações. Santa Catarina é o maior produtor brasileiro de suínos e detém a vice-liderança na produção de aves.
Ancorado no grande oeste catarinense, o parque agroindustrial sustenta 60.000 empregos diretos e 480.000 indiretos. Nos últimos dois anos gerou 2.000 novos empregos e, atualmente, tem 6.000 postos de trabalho a preencher. Em 2022 os investimentos diretos totalizaram R$ 5 bilhões e a geração de movimento econômico chegou a R$ 7 bilhões – dinheiro que irriga a economia de centenas de municípios catarinenses.
A base produtiva no campo é formada por 19.000 propriedades rurais de avicultores e suinocultores, além de 24.000 criadores de bovinos de leite. O volume anual de animais criados, processados e industrializados é de 4.000.000 de frangos e 34.000 suínos por dia. Isso representa 1 bilhão de aves e 9 milhões de suínos por ano.
A nutrição desse formidável plantel exige cerca de 6 a 7 milhões de toneladas de milho por ano, na formulação de rações, mas Santa Catarina vem produzindo cada vez menos esse cereal. Na última safra ficou em torno de 2 milhões de toneladas. E ainda há um detalhe: 40% do milho vão para silagem, portanto, não saem da propriedade e 60% vão para o mercado de grãos.
Cerca de 5 milhões de toneladas que faltam são obtidas no centro-oeste brasileiro e, suplementarmente, no Paraguai e na Argentina – com imensas despesas com o transporte rodoviário. As agroindústrias desembolsam entre 6 bilhões e 7 bilhões de reais por ano em fretes para buscar o milho no centro-oeste (basicamente Mato Grosso do Sul e Mato Grosso) em uma operação rodoviária economicamente cada vez mais inviável e ambientalmente cada vez mais desaconselhável.
A saída para esse drama é a construção de uma ferrovia ligando o oeste catarinense ao centro-oeste brasileiro. Pela primeira vez em 40 anos está surgindo a consciência, no empresariado, de que o desenvolvimento e o futuro do grande oeste catarinense dependem de uma ferrovia ligando essas duas regiões.
O Governo Federal anterior muito acertadamente instituiu o novo marco legal das ferrovias através da MP 1065/2021, mas ainda falta leiloar vários trechos. A alternativa que surge vem do Paraná, onde a Ferroeste – uma estatal de economia mista – pretende construir ou estimular que consórcios empresariais construam os ramais Cascavel-Chapecó (SC), Cascavel-Maracaju (MS) e Cascavel-Paranaguá (PR). Essas rotas são exatamente aquelas que o oeste precisa para buscar matéria-prima vegetal, transformá-la em proteína animal e depois levá-la aos portos.
Para estimular investidores a se interessar pelo ramal Chapecó-Cascável um grupo de entidades catarinenses – Sindicarne/Acav, ACIC, CEC, Faesc, Fiesc, Facisc e Ocesc, além da ABPA – patrocinou estudo de viabilidade econômica, técnica e ambiental para demonstrar a racionalidade do empreendimento. A execução desses projetos tornará suportável a megaoperação de transferência de grãos para Santa Catarina e dos produtos acabados para os portos do Paraná. Terá cerca de 280 quilômetros de extensão, o trajeto será indicado pelo estudo técnico e o custo gira em torno de R$ 6 bilhões.
Os portos catarinenses não serão prejudicados. Uma reivindicação simultânea é a obra que já foi chamada de “Ferrovia do Frango” – a ferrovia intraterritorial que ligará o extremo-oeste com os portos marítimos, com mais de 600 quilômetros de extensão. Atraiu a atenção e está na pauta do governo barriga-verde, que contratou o projeto do trecho Correia Pinto-Chapecó. As duas ferrovias são complementares, uma não exclui a outra e ambas são necessárias.
Pouca gente conhece a dimensão e a complexidade da operação logística para o transporte de insumos (grãos, ativos biológicos etc.) e de produção acabada para os portos e os centros de consumo. O Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados de SC apurou que são realizadas 5.240 viagens diárias de veículos de carga. Aos portos marítimos são enviados diariamente 344 containeres, o que representa 90.000 containeres por ano. Executar essa operação significa um dispêndio, para as empresas, de R$ 3,069 bilhões ao ano.
Há fatos novos e, portanto, uma esperança racional, para a construção de uma ferrovia ligando o oeste catarinense ao centro-oeste brasileiro. O recém-encerrado Simpósio da Integração Logística do Sul que a ACIC e entidades parceiras realizaram durante a Mercoagro 2023, em setembro, lançou a carta Movimento Pró-Ferrovias (ver abaixo) e mostrou que – muito além do proselitismo que imperou até agora – há, concretamente, um caminho sendo construído. Surgiram, efetivamente, vários sinais alvissareiros na atual contextura, como o estudo de viabilidade já concluído, o Governo Federal que deve licitar/leiloar o trecho em 2024, uma gigante empresa chinesa com tecnologia e capital financeiro que quer executar a obra em consórcio com empresas brasileiras e o Rio Grande do Sul que já reivindica o trecho Chapecó-Passo Fundo. Só falta a classe política se engajar mais entusiasta e convictamente nesse movimento.
Ferrovias, como se sabe, são obras caras e cuja execução é de longa duração – por isso são revestidas de incertezas e demorada maturação. A única certeza que se tem, hodiernamente, é que as agroindústrias catarinenses se transferirão para outras regiões se as ferrovias não viabilizarem no horizonte próximo o oxigênio que necessitam, ou seja, o suprimento de grãos. Se o projeto de ferrovias não se tornar realidade os empresários podem concluir ser mais barato transferir as indústrias frigoríficas para a região produtora de milho e soja do que ficar despejando bilhões de reais no crescentemente caro transporte rodoviário.
Fonte: MB Comunicação