Como seria um mundo sem exportações?
Publicado em: 12/12/2023
Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA)
A busca por formas sustentáveis de produção é uma meta comum em todos os setores da indústria alimentícia. Ampliar a oferta de alimentos e reduzir as emissões simultaneamente é um objetivo frequentemente mencionado nos discursos voltados aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Afinal, todos almejamos um mundo sem fome e mais sustentável. Por isso, surgem várias propostas nessa direção, algumas coerentes e alinhadas com esse objetivo, enquanto outras parecem oferecer soluções simpáticas, mas, na verdade, ocultam interesses de terceiros. É o caso, por exemplo, da recomendação de sempre preferir alimentos de produtores locais.
O advérbio “sempre” sugere uma ideia inabalável, imutável e inquestionável, implicando que, independentemente dos elementos, fatos ou contexto, é sempre melhor consumir de produtores próximos à sua residência.
Essa ideia é amplamente difundida em mercados europeus, com campanhas promovidas por produtores locais, que muitas vezes desvalorizam a imagem dos produtos estrangeiros. Nessa lógica argumentativa, consumir produtos de regiões distantes seria menos sustentável.
No entanto, será que essa lógica se aplica a todos os produtos? Os dados sugerem que não. É importante respeitar a escolha daqueles que optam por compras locais por motivos sociais e de segurança alimentar mínima. No entanto, não é possível afirmar que essa seja uma medida definitiva de sustentabilidade.
Tomemos como exemplo a carne de frango. Imagine duas unidades produtoras, uma no Brasil e outra no Reino Unido. Ambas usam milho e farelo de soja como insumos, possuem estruturas de galpões com sistemas de controle de temperatura e empregam genética avançada adequada ao seu sistema produtivo.
As semelhanças param por aí. As diferenças surgem quando consideramos o contexto em que a produção está inserida. Por exemplo, a matriz energética: na maior parte da Europa, as granjas dependem principalmente de sistemas de gás, recentemente afetados por aumentos significativos devido a conflitos no Leste Europeu. No Brasil, está em curso uma transição para a ampla adoção de sistemas fotovoltaicos, já adotados por algumas empresas em mais de 60% das granjas. Além disso, o clima ameno do Brasil contribui para uma menor demanda energética.
Outro ponto é o abastecimento de insumos. Para quem não sabe, a ração das aves consiste principalmente em milho (65%) e farelo de soja (25%), além de outros insumos. Em ambos os casos, há oferta abundante em seus respectivos territórios, tornando-os autossuficientes. Em contraste, as unidades europeias muitas vezes precisam importar esses insumos.
Há várias outras disparidades, mas todas levam a uma conclusão: de acordo com o Departamento de Agricultura do Reino Unido (DEFRA), a granja brasileira emite 45% menos CO² do que a unidade produtora britânica. Mesmo após o processamento, desembaraço, embarque e transporte até a prateleira no Reino Unido, a carne de frango do Brasil ainda emite menos CO² do que a produzida localmente.
Em suma, o produto local não se mostrou mais sustentável. A recomendação, que promove o “protecionismo”, carece de embasamento em relação às emissões.
Em um mercado demandante, quem ganha com um eventual bloqueio das importações? A resposta é tão simples quanto enigmática: ninguém. O primeiro a perder é o consumidor, com preços mais altos e menor diversidade nas prateleiras. Mas até mesmo o produtor local pode sair prejudicado com isso.
Vamos retornar ao exemplo do Reino Unido. Segundo informações da International Meat Trade Association (IMTA), que representa empresas importadoras e exportadoras britânicas, se a produção local de aves fosse aumentada para atender à demanda por peito de frango (o principal produto importado pelo mercado), seriam geradas 2 milhões de toneladas adicionais de produtos não relacionados ao peito, criando um desequilíbrio no mercado. Seria necessário aumentar a produção local em 122%, incluindo todos os custos adicionais, perdas de preços, entre outros. O impacto disso seria imenso.
O livre mercado global existe para equilibrar e atender às necessidades das comunidades em todo o planeta. Um país com vantagens específicas pode produzir mais, emitir menos e preencher lacunas não cobertas pelos produtores locais. Mais competitividade, mais segurança alimentar e menos protecionismo são a verdadeira essência da sustentabilidade.
Fonte: Ricardo Santin – Presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA)