Defesa jurídica do campo

Publicado em: 07/03/2024

José Zeferino Pedrozo, Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de SC (Faesc) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/SC) 

A agricultura é uma atividade de risco, eternamente ameaçada por uma série de fatores – clima, mercado, epidemias, epizootias e políticas públicas, entre outros. A proteção jurídica dos produtores rurais/empresários rurais e suas famílias tornou-se uma preocupação das entidades de representação e defesa do campo, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (FAESC) e outras organizações do setor. Nessa direção, a pauta das prioridades da Comissão Nacional dos Assuntos Fundiários da CNA é extensa e inclui a regularização fundiária; a garantia do direito de propriedade e segurança no campo; a retificação de títulos em faixa de fronteira; a reforma agrária; a demarcação de territórios quilombolas e de terras indígenas; a integração cadastral/tributação e a demarcação de terrenos marginais e de marinha. 

A questão indígeno-fundiária, por exemplo, voltou à pauta das preocupações das entidades do agronegócio, especialmente depois que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), durante o recesso da corte, suspendeu liminarmente sentenças que questionavam processos de demarcação de terras indígenas no oeste do Paraná. A decisão atingiu o Estado vizinho, mas cria precedentes para todo o País. A Faesc defende o respeito ao direito de propriedade e à cultura dos indígenas como pressuposto para a paz no campo. A Federação quer evitar litígios – como ocorreram no passado – entre produtores/empresários rurais e comunidades indígenas. A preocupação da entidade tem motivos concretos: a existência de dez áreas rurais que a Funai pretende demarcar, totalizando cerca de 58.000 hectares (1.421 imóveis rurais) em várias regiões do território barriga-verde onde vivem mais de 2.000 famílias rurais. 

Os produtores/empresários rurais ficaram muito preocupados quando o STF declarou inconstitucional a tese do Marco Temporal previsto na Constituição Federal de 1988. Porém, respiraram aliviados com a decisão dos Plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal que aprovaram o projeto de lei sobre o marco temporal da ocupação de terras por povos indígenas (PL 2903/23). A matéria foi vetada pelo presidente da República, mas o veto foi derrubado pelo Congresso. 

A decisão dos deputados federais e senadores trouxe, temporariamente, segurança jurídica para as atividades laborais e empresariais e assegura a paz no campo. O texto aprovado na Câmara e no Senado está em sintonia com o que reza a Constituição Federal de 1988, ou seja, que a demarcação de terras indígenas será restrita àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da nova Carta Magna. Agora, entretanto, a mais recente decisão do STF causa surpresa e completa perplexidade: parece ignorar as falhas apontadas pelo Poder Judiciário em relação aos processos de demarcação e ignora a legislação vigente, incluindo a Lei 14.701/2023, aprovada pelo Congresso Nacional para regular o procedimento de demarcação de terras indígenas. 

Para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente deverá ser comprovado objetivamente que essas terras, na data de promulgação da Constituição, eram, ao mesmo tempo, habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural. De acordo com esse entendimento consagrado agora pelo Legislativo Federal, se a comunidade indígena não ocupava determinado território antes desse marco temporal, independentemente da causa, a terra não poderá ser reconhecida como tradicionalmente ocupada. 

Historicamente, a dívida brasileira com os indígenas não é uma dívida fundiária, que deveria se traduzir em mais terras, considerando que as concedidas seriam insuficientes. Entre terras demarcadas e homologadas, o Brasil tem em torno de 120 milhões de hectares para uma população de 1,7 milhão de pessoas, segundo diferentes fontes utilizadas – Cimi, Funai, Instituto Socioambiental (ISA). Ou seja, cerca de 14% do território brasileiro estaria destinado para 0,83% da população nacional. 

É evidente que a questão indígena brasileira é essencialmente social e não fundiária, porque os indígenas e seus descendentes vivem em precárias condições de saúde, sanitárias e de educação, moradia e trabalho. O Estado deveria intervir com uma educação de qualidade, que permitisse ao mesmo tempo a conservação dos seus costumes e crenças e a integração ao mercado de trabalho. O Congresso, ao regulamentar a demarcação (Lei 14.701/2023), buscou equilibrar os direitos de todas as partes envolvidas.  

Em uma iniciativa elogiável e necessária, a CNA lançou um canal de denúncia anônima para os produtores rurais informarem casos de invasões de propriedade. O sistema sindical patronal rural defende o respeito ao direito de propriedade e, com a plataforma, criam-se condições para fortalecer o trabalho realizado no país pela CNA, FAESC e Sindicatos Rurais. A prioridade é evitar conflitos que, no passado, acabaram com a tranquilidade de centenas de famílias rurais.  

Defender o direito às terras do produtor rural é essencial para garantir a segurança jurídica, o desenvolvimento socioeconômico e a construção de um futuro sustentável tanto para Santa Catarina como para todo o Brasil. Para fazer uma denúncia anônima de invasão de propriedade rural, basta clicar no link http://cnabrasil.org.br/invasaodeterras e preencher as informações sobre o imóvel invadido. 

A maior prioridade é evitar conflitos que, no passado, minaram a paz e a tranquilidade de centenas de famílias rurais. Defender o mais absoluto respeito ao Estado de Direito é essencial, mas também é fundamental reconhecer que não haverá paz no campo se a Lei continuar sendo desrespeitada.  

Fonte: MB Comunicação