Um Plano Safra razoável
Publicado em: 15/07/2024
Por Ivan Ramos, diretor executivo FECOAGRO
Existe um ditado popular que diz que ninguém agrada a todos em tudo e em todos os momentos. Isso é natural. Da mesma forma, há um ditado que afirma que “toda unanimidade é burra”, quer dizer, nunca agradaremos a todos. Com essas premissas, precisamos analisar o conteúdo do Plano Safra, anunciado pelo governo federal para o período 2024/2025. Descontando o atraso no anúncio, que nunca tinha ocorrido antes, neste ano o plano foi publicado já dentro do período de aplicação, o que foi objeto de críticas e desagradou a todos. O conteúdo do plano teve as mais diversas avaliações, mas ninguém pode negar que trouxe avanços em relação aos planos anteriores, principalmente em termos de volume de recursos. E nem poderia ser diferente, afinal, os custos de produção, incluindo os riscos cambiais, mudaram e, se não houvesse um mínimo de reajuste nos valores, já começaríamos defasados.
Ouviram-se posicionamentos diferentes sobre o Plano anunciado, mas na sua grande maioria, pode-se dizer que agradou. Uma das críticas foi o sistema adotado por esse governo em dividir a agricultura em dois planos diferentes, quando estamos praticando a mesma agricultura e o porte dos produtores é proporcional às suas demandas. Para o estado de SC, onde a maioria dos produtores rurais são da agricultura familiar, o reflexo é menor e, em tese, atende a grande maioria dos agricultores. Os médios e grandes agricultores é que sentiram restrições, haja vista que apenas 30% dos valores serão atendidos com juros controlados. Ou seja, os médios e grandes agricultores terão que buscar 70% de suas necessidades no mercado financeiro convencional, onde os bancos definem as taxas de juros. Se considerarmos que esse porte de agricultor tem maior condição de negociar com os bancos, pode-se dizer que essa decisão governamental é aceitável. Mas, se avaliarmos que esses agricultores estão com problemas de endividamento devido à sucessiva renegociação de financiamentos, motivada por perdas de safra, essa negociação pode ser dificultada e até inviabilizar os recursos necessários para o plantio e investimentos nas propriedades.
Do lado dos agricultores familiares, embora o volume anunciado seja 25% menor do que o solicitado pelas entidades de pequenos agricultores, acredita-se que oferece boas condições com custos financeiros subsidiados, permitindo produzir com competitividade. Também precisa ser reconhecido que o tratamento especial para produtos de consumo interno, como arroz, feijão, hortaliças, entre outros, também estimula maior plantio e, na visão do governo, pode atender à população menos favorecida.
A grande queixa registrada concentrou-se em dois pontos principais: todos sabemos que a atividade agrícola ao ar livre corre altos riscos e frequentemente tem perdas de safras por questões climáticas. Se houvesse um seguro rural com subsídio oficial, a adesão seria mais expressiva, reduzindo os riscos de perdas das lavouras. Certamente os custos para salvar agricultores atingidos pelas intempéries sempre foram maiores do que qualquer custo do seguro. Mas parece que o governo não enxerga assim. As entidades solicitaram R$ 3 bilhões para o seguro rural e só foi contemplado com R$ 1 bilhão.
Por outro lado, os médios e grandes produtores reclamam que o governo prega, e até pressiona pela queda da taxa de juros para o mercado, mas não fez o mesmo com o juro para a agricultura empresarial. A Selic caiu, mas os juros para produzir alimentos não. Estão 3% acima da taxa oficial. Também há uma certa deturpação na divulgação do plano quanto aos valores. Precisa ser esclarecido que a liberação de R$ 475 bilhões para os dois planos, ou seja, agricultura empresarial e familiar, não significa que o governo está bancando tudo isso. O que o Tesouro Nacional bancará com nossos impostos é o custo da equalização das taxas de juros, especialmente na agricultura familiar, que é bem menor o volume. Ou seja, a diferença entre os valores pagos na captação do recurso no mercado financeiro e o repasse aos agricultores.
Portanto, o subsídio será de R$ 18 bilhões, e não os R$ 475 bilhões que compõem os planos, como tem sido propagado. Há que se reconhecer que o regramento propicia a aplicação dos recursos de forma padrão, mas que depende de cada atividade ou produtor, e o resultado pode ser diferente, dependendo das condições do mercado. Mudaram os governos, mas a política agrícola continua a mesma, com o mesmo discurso e as mesmas dificuldades todos os anos. O agricultor reclamando do Plano e os governantes alardeando ter ampliado. E o agro sempre em segundo plano na nossa economia. Pense nisso.
Fonte: Fecoagro